Pequi




Pequi (Caryocar brasiliense), árvore típica do cerrado brasileiro, de fruto amarelo e caroço espinhoso; a polpa é bem utilizada na culinária regional. Também conhecido como piqui, piquiá-bravo, amêndoa-de-espinho e outros nomes do tipo. Curiosidade mais que conhecida, cartão postal do cerrado, são seus troncos e ramos, geralmente tortuosos (dizem que para se proteger da incidência vertical do sol).

Estes aí nas fotos estão bem defronte ao meu portão. Dado o hábito, usual na espécie, de entortarem para todos os lados, não deve ser incomum para os conhecedores já terem visto dois pés como estes, que cismam de entortar um na direção do outro até se tocarem e se cruzarem, como um “cruzeiro de pequizeiros”, neste caso particular, sinalizando com um “X” vivo o meu portão.

Tal era a vontade dos dois de se tocarem que afinaram a casca, normalmente espessa e áspera, para se sentirem mais de perto um ao outro, como documenta a amadorística foto em anexo. Se quiserem vir à minha casa, é lugar fácil de se achar: bem aquela do portão do lado dos pequizeiros que se abraçam....formando um  cruzeiro.
Para quem não sabe, “cruzeiro” era um marco construído para começar povoação nova: vilarejo, depois cidade. Rezava-se a missa, construía-se a igreja matriz, e, desde ali, espalhavam-se as casas. Era o início, o coração das vilas que iam tomando corpo dali para frente, irradiando para todos os lados.

Pois veja que meus pés de pequi acharam de marcar a porta da minha casa. Poliram suas asperezas para se abraçarem. Tão estreitos e grudados que eu não estranharia saber que um sente o fluir da seiva no peito do outro. Ali paradinhos, oscilando com o vento, entrelaçados.

Como filósofos têm mania de associar coisas que não parecem, à primeira vista, terem muito a ver (faz parte do ofício!), lembrei-me, por “acaso”, de que, um dia desses, presenciei um ser humano dizer: “ - Sou tão solitário, só tenho, de verdade, duas pessoas com quem contar nessa vida.” Cá entre nós, senti  que ali havia um ser humano de sorte: duas, duas pessoas? De verdade? Duas pessoas que poliram suas asperezas e se comprometeram com você, para vigiar se sua vida flui regularmente, se sua alma pulsa, se o vento sacode seus ramos, para sentir e vibrar junto? Isso é muita coisa! Poucos têm tanto. A maioria das pessoas são pequizeiros isolados, cuidando de suas cascas e vigiando sua própria seiva, preparando suas flores, juntando sua energia para explodir em pequis quando a estação assim ordena. Atentos ao “seu dever para com a natureza”: viver, crescer e multiplicar. Compartilhar... para quê?

Compartilhar é coisa mais que nova entre nós, e novidade digna de ser marcada por reza e cruzeiro. Bem marcada. Homem (Homo sapiens) é espécie que se espalha não só pelo cerrado, mas por toda a terra; foi feita pela natureza para florescer e frutificar, na época certa, dando frutos doces, mas espinhosos de se gerar: justiça, bondade, fraternidade. Mas o homem pode escolher quando vai ser sua própria estação. A natureza só assiste e espera, um tanto ansiosa, pois os frutos humanos, que nunca acham de nascer, geram, para todos os cantos da terra, uma estranha e insaciável fome.

Polir as asperezas, alcançar a própria seiva e pulsar em dueto... não é só jeito diferente de crescer: para o ser humano, é fruto previsto e esperado. E essa colheita, cuja demora, dolorosa, seca as esperanças e esteriliza as vidas, quando vier, terá de ser bem celebrada.  

Mas vejam que os pequis marcaram a minha porta, e talvez este seja, para alguém, fato dos mais importantes e alvissareiros. Talvez indique que a natureza cobra a hora da Vida assumir um Centro e irradiar.  Essa “cobrança”, esse momento também é e foi sempre um sinal sagrado, como uma espécie de anunciação. Sinal de que já não se pode esperar, que já tarda: há que gestar laços humanos e profundos antes do inevitável dia em que a seiva “evapore”, as raízes e os ramos sequem e o sopro do vento se vá, buscar novos pequizeiros, que hão de estender seus ramos em busca de alcançar e de preencher todos os sonhos da natureza.

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